Porque sabes que eu estou aqui.
Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Sexta-feira, 30 de Abril de 2004
José de Almada Negreiros - A invenção do Dia Claro
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue encarnada, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando eu voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Perco-me...
Perco-me entre eu e eu mesmo. Perco-me entre as coisas que passam no meu caminho, perco-me no sono e no cansaço, nos olhos e olhar. Perco-me porque não consigo perder-me, só lembrar. Perco-me na verdade e na mentira. Perco-me nos sorrisos e na solidão. Entre os extremos mato-me e sobrevivo em palavras. No silêncio...
"Às vezes construímos sonhos em cima de grandes pessoas. Mas com o tempo descobrimos que grandes mesmo eram só os sonhos.."
Al Berto - A meu amigo.
...procuro-te
no interior das penumbras no esquecido sal
das casas abandonadas à beira-mar
procuro-te no perfume excessivo do mel
armazenado pelas abelhas no entardecer das pálpebras
vem
mergulha as mãos nos troncos das árvores
suspende a noite da longa viagem
estás a naufragar
o espelho quebrou-se e tu já não reconheces as paisagens
o corpo estilhaçou-se
tua presença só é visível nas fotografias dos barcos
as quilhas são a tua memória longínqua das Índias
vai
com os pássaros de bicos exuberantes e sonha
e estende o corpo cansado nos intervalos da erva fresca
onde alguém costurou pedras brancas na orla das grandes rotas
a cidade espera-te com o cais de madeira
junto ao rio abre as mãos toca nos corpos com os lábios
agarra-os dentro de ti
até que da terra lodosa brotem especiarias
porque só longe daqui acharás o que falta da tua identidade
só longe daqui conhecerás o sangue e talvez a felicidade
inundando um breve instante a noite de nossos desastres
só longe daqui
terás a consciência da quotidiana morte de Deus
Terça-feira, 27 de Abril de 2004
Amigos
Era uma vez um rapaz que tinha um temperamento muito explosivo. Um dia recebeu um saco cheio de pregos e uma tábua de madeira. O pai disse-lhe que martelasse um prego na tábua cada vez que perdesse a paciência com alguém. No primeiro dia o rapaz pregou 37 pregos na tábua. Já nos dias seguintes, enquanto ele ia aprendendo a controlar a sua raiva, o número de pregos martelados foi diminuindo gradualmente. Ele descobriu que dava menos trabalho controlar a sua raiva do que ter de ir todos os dias pregar vários pregos na tábua. Finalmente chegou o dia em que ele não perdeu a paciência em hora nenhuma. Ele falou com o pai sobre o seu sucesso e sobre como se sentia melhor em não explodir com os outros e o pai sugeriu que ele retirasse todos os pregos da tábua e a trouxesse até ele. O rapaz trouxe então a tábua, já sem os pregos, e entregou-a ao pai. Ele disse "estás de parabéns, meu filho, mas olha para os buracos que os pregos deixaram na tábua! Ela nunca mais será como antes!". Quando falas enquanto estás com raiva, as tuas palavras deixam marcas como estas. Podes enfiar uma faca em alguém e depois retirá-la mas, não importa quantas vezes peças desculpas, a cicatriz ainda continuará lá. Uma agressão verbal é tão violenta como uma agressão física. Amigos são como jóias raras. Eles fazem-te sorrir e encorajam-te a alcançar o sucesso. Eles emprestam-te o ombro, compartilham os teus momentos de alegria e, têm sempre os seus corações abertos para ti.
Domingo, 25 de Abril de 2004
...
Depositamos a confiança nos outros damos o melhor de nós e muitas vezes acabamos frustrados. Desiludidos. Alguém me disse ontem quando gostamos de alguém e esse alguém nos faz mal sofremos a dobrar. É uma realidade. Mas da mesma forma que aprendemos a gostar também aprendemos a odiar. Todos os dias escolhemos as pessoas com as quais compartilhamos o nosso dia a dia e não damos atenção a outras que acabam por marcar as nossas vidas. Esqueci como é difícil que as pessoas que escolhemos sejam as mesmas que nos escolhem. Mas temos de continuar a tentar apesar da dor de nos sentirmos desperdiçados.
Recordar
Olho o calendário. Como o tempo passa. É um facto consumado.
Hoje não sei o que me atacou, provavelmente foi ter achado aquela pasta Mp3 de alguém que me passou o bichinho de muitos grupos que hoje escuto. Alguém que mudou os meus gostos musicais que provocou o SigurHead de hoje. E então? Nostálgico ou recluso da memória? Não sei. Apenas bateu a saudade da música de um antigo amigo. Hoje essas músicas transportaram o tempo e embalaram a madrugada.
Algumas dessas músicas:
Jeff Buckley - Dream Brother
Aimee man - Wise up
Ladytron - Mu-Tron
Muse - Sunburn
K's Choise - Not an addict
Placebo - Burger Queen
Portishead - Teardrop
RadioHead - Paranoid Android
Sigur Rós - Staralfur
Rufus Wainwright - Across the Universe
This mortal coil - Song to the Siren
mum - Green Grass of Tunnel
Ou o mais recente:
A Silver Mt Zion - Angels Standing Guard 'Round the Side
Ama-me
Ama-me até onde ninguém mais amou.
Inês Pedrosa - Fazes-me falta.
Como sabes eu vivo de relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu- íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. (...) Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que uma sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim.
Alberto Caeiro
Nunca busquei viver a minha vida.
A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse.
Só quis ver como se não tivesse alma.
Só quis ver como se fosse apenas olhos.
Sábado, 24 de Abril de 2004
Morder
Sabes que queria fazer agora?
Morder-te
rasgar-te a pele com as unhas,
deixar um sinal indelével em ti,
marcar território.
Para que quando outro te despisse, te amasse
te perguntasse: que é isto?
Tu te calasses.
E eu, cicatriz em ti respondesse
Foi meu, estive cá antes!