Porque sabes que eu estou aqui.
Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Segunda-feira, 31 de Maio de 2004
Virgílio Ferreira excerto de "na tua face"
...Nunca mais nos veremos? Perguntei com a estupidez de quando não há perguntas a fazer. Mas ao mesmo tempo, por baixo da minha insensatez, eu sentia o impulso absurdo de recuperar uma irrealidade perdida. Nunca mais?... E imprevistamente era aí que eu repousava, na tua face, na imagem final do meu desassossego.
Ah bom... Tá certo... É justo... Cuida-te...
Sábado, 29 de Maio de 2004
...
Sinto que se aproxima de mim um destino que não escolhi. O amor corrói-me a pele, mistura-se ao desejo e não me deixa sossegar, nem mesmo quando durmo - mas o amor não é eterno.
...
Pode-se ter sexo com quem se faz amor. Nunca se pode fazer amor com quem se tem sexo.
Segunda-feira, 24 de Maio de 2004
"Segura-te ao meu peito em chamas"
"Não digo que te amei por ter possuído o teu corpo, mas sim por ter roçado a tua alma. Se pudesse estar apenas perto de ti, a ouvir a tua voz e a demorar o meu olhar sobre o teu, ter-te-ia amado na mesma... Fiquei preso no que está para lá do visível; enredado entre as folhas da tua verdadeira essência."
Domingo, 23 de Maio de 2004
...
Apetece-me dissolver-me discretamente no nada em que te tornaste. Fechar os olhos e desaparecer docemente, sem mover um único músculo, como se nunca tivesses existido.
Apetece-me cerrar a boca de medo e gritar com força a raiva que te tenho. Cerrar os dentes e seguir em frente, como se não passasses de um mero acidente de percurso.
Apetece-me arrancar os braços que um dia te abraçaram, que um dia me soergueram enquanto entrava em ti como se fosse sempre, sempre, a última vez. Para sempre.
Apetece-me morder as mãos, as mãos que um dia te mediram o corpo e tomaram a altura do teu peito. Apetece-me atirá-las à parede até que se desfaçam em sangue.
Apeteces-me. Ainda.
Como se não se tivessem passado semanas, meses, entalado entre a vertigem da ausência, as antigas cumplicidades e a crosta do passado. Como se tudo isto ainda tivesse pernas para andar, como se não houvesse em todas as coisas o travo amargo e involuntário do demasiado tarde, o peso lastrado pela solidão.
Sábado, 22 de Maio de 2004
Doce ignorância esta.
Foi quando te necessitei que não estiveste. Foi quando te precisei ouvir que não falaste. Foi quando o telefone não tocou que te senti ausente. Foi quando me senti sozinho que o desejo da tua presença não bastou. Foi quando me vi no escuro que percebi perder-te. Mas não. Porque foi quando menos esperei que te revelaste. Quando não estiveste nem falaste, e mesmo ausente, me encontraste. Até agora conservo a magia do teu toque em mim. Até agora o olhar que não vi ainda me acalma. Até agora é a tua mão que complementa a minha. Deixei de perceber onde acabo e tu começas.
...
Separei-te de mim, por mãos iluminadas usei o teu corpo. Coloquei o deserto do teu coração rente à minha boca. As lágrimas lavaram o desespero que chorava no escuro. Parti-te. Estou a fazer-te luto. Desejei-te tanto. Discuti tanto contigo. Hoje percebo que te atirei demais.
Sexta-feira, 21 de Maio de 2004
Existíamos
"Enquanto nos abraçávamos, existíamos antes, durante e depois do futuro."
Quinta-feira, 20 de Maio de 2004
Palavras
Não, nunca quis roubar um grão que fosse do teu mundo. Mesmo quando não te conhecia, ou quando sonhava para mim que existirias num mundo aparte, um mundo recheado de encantos e de um suspiro capaz de, num segundo só, subtrair a ferida de um desencontro. Esse mundo tão incerto como só o amanhã consegue ser, tão cheio de certezas que se desequilibram com a equimose da noite. Um dia vou olhar-te novamente fundo, novamente no absoluto dessa escuridão que te esconde o rosto por dentro, que te faz sombra na sombra do infortúnio. Roubaste-me o mel que eu vertia na escrita mas nunca soube escrever pois se soubesse teria entornado toda a tua beleza nas palavras.