Porque sabes que eu estou aqui.
Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Sábado, 5 de Junho de 2004
Virgílio Ferreira, Carta ao Futuro
Escrevo-te para daqui a um século, cinco séculos, para daqui a mil anos... É quase certo que esta carta te não chegará às mãos ou que, chegando, a não lerás. Pouco importa. Escrevo porque é a forma de comunicação mais directa que suporta uma larga margem de silêncio; porque é a forma mais concreta de diálogo que não anula inteiramente o monólogo. Além disso, seduz-me o halo de aventura que rodeia uma carta: papel de acaso, redigido numa hora intervalar, um vento de acaso o leva pelos caminhos, o perde ou não aí, o atira ao cesto dos papéis e do olvido, ou o guarda entre os sinais da memória. Por sobre tudo, porém, agrada-me falar desde o centro deste Inverno e desta cidade mortal que me cercam. Ouço as vozes subterrâneas à alegria mecânica, aos passos cronometrados, à azafama de nervo e esquecimento que adivinho ao longe, numa metrópole-síntese construída em arame e cimento, e é bom que essas vozes ressoem na minha boca.
Quarta-feira, 2 de Junho de 2004
al berto , in O anjo mudo
Um dia, em frente ao mar, ele pensou: Se me apagasse neste preciso instante, o mundo pouco se importaria com isso. No entanto, deixaria de ser o mesmo: seria um mundo com todas as coisas que conheci e toquei, mas sem mim. E eu, algures na morte, é pouco provável que levasse comigo alguma coisa do mundo. Seria um homem morto, sem mundo, definitivamente só.
Terça-feira, 1 de Junho de 2004
Trás os Montes
Este Trás os Montes da minha alma! Atravessa se o Marão, e entra se logo no paraíso! Amanhã regressarei. Este paraíso ainda não é meu duradoiramente. É dos meus antepassados, que nele moram em cada canto da casa. Desde há muito que sei que sou usufrutuário de uma herança sagrada, que só merecerei se nunca me esquecer que Trás os Montes é um berço onde tenho de nascer todas as horas e morrer um dia.
Miguel Torga
...
Os teus silêncios longe de esvaziar a minha cabeça inundam-na de pensamentos perturbadores. As minhas perguntas sem resposta só servem para fazer mais perguntas ou para que eu invente possíveis respostas. A dúvida transforma-se na pior das vinganças. Recapitulo todos os meus actos em busca de erros. Talvez cales inocentemente, talvez os meus medos sejam infundados. Por favor confirma todos os meus medos, culpa-me de todos os males, condena-me sem defesa, castiga-me por tudo que cometi mas por favor não deixes os meus ouvidos em branco. Não deixes que a minha mente fale por ti. Não deixes que esta voz fatídica substitua a tua voz. Ainda que as tuas palavras possam doer nada é mais cruel que este silencio.