Porque sabes que eu estou aqui. Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Sábado, 13 de Maio de 2006
Anoitece devagar

Anoitece devagar. Anoitece sobre os ombros. Anoitece onde não estou e em redor do meu corpo. Anoitece por dentro dos objectos que evocam a tua presença. A penumbra invade a casa, corrói tudo o que é sólido. Antes, a solidão vergava-me, mas com o passar do tempo povoei-a com sorrisos, pequenos gestos que aderem à memória e me dizem que existo, que continuo vivo onde pressinto o coração a arder. É o ouro que se ganha quando se aprendeu a estar sozinho, tem-se tudo e não se possui nada. O que restava da memória foi partilhado ou foi abandonado para sempre. Tudo está constantemente presente e vibra sob a luminosidade imperceptível de ser eterno na fracção de segundos. Se morresse agora não deixava nada, porque bebi toda a minha sede, esvaziei-me, devorei noites do amargo que têm as coisas antes de nos pertencerem. Teu corpo, por exemplo custou-me tanto inventar-lhe formas consistentes, um reflexo, uma sombra que se lhe adaptasse e o acompanhasse. Teu corpo vive hoje dentro do espelho onde se perdeu o meu.



publicado por SigurHead às 03:22
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Mas comigo era diferente. Lembras-te?

O começo da viagem que nos iria levar para longe. Nunca te disse mas na viagem para o Porto olhando nos teus olhos enquanto ias escutando musica no teu leitor riscado de outras viagens e com o olhar fixo num ponto qualquer eu vi nos teus olhos que não existias só tu e eu. Nesse momento foi como profanar-te haviam outros rostos que se fundiam em nós e nos dias que partilhávamos. Tínhamos duas vidas para lá dos nossos encontros. Tínhamos outros. Mas comigo era diferente. Lembras-te quando dizias que comigo era diferente? Gostava tanto que me tivesses mostrado o Porto como querias. Mas não houve tempo desta vez era eu que tinha o bilhete de ida. Hoje ainda é uma cidade que conheço mal. Apesar de ter raízes no norte a minha vida foi sempre mais a sul. Um ultimo café a chuva, sempre a chuva presente enquanto estivemos presentes. Nos teus olhos uma lágrima contida que também existia nos meus com um trago que tentava soltar-se. Mais uma vez despedimo-nos num olhar voltas-te as costas entrei no comboio e nunca mais iria voltar a ver-te, nunca mais. Desconhecia essa realidade. Nunca cheguei a ver o piercing que me disseste que tinhas colocado na sobrancelha. Viagem para Lisboa sentia-me estranho a caminho de casa. Eu era feliz e eras tu quem me dava essa felicidade. Que futuro?! Estava escrito que não iríamos voltar. Os motivos para não haver um novo regresso ainda hoje se amontoam na minha cabeça.



publicado por SigurHead às 03:17
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Segunda-feira, 8 de Maio de 2006
Tanto para te dizer

 

 

Escrevo-te enquanto um arrepio me toma numa vertigem que me enche o coração de ausência pavor e saudade. Queria que soubesses que hoje corri para o telefone para te contar o sonho que tive ontem e me aterrorizou. Ainda me lembro do teu número. Queria apenas ouvir a tua voz perguntar quem fala. O número que podia marcar já não te pertence e ligar para tua casa seria reviver o pior momento. Tenho sempre tanto para te dizer nos fragmentos da noite. É nas madrugadas que sinto mais a tua falta. Sempre nos tivemos fora de horas. Levanto-me do fundo de ti e num soluço de respiração procuro vida no rumor de mãos ao de leve pelo meu corpo. Assalta-me o desejo de te acordar e reinventar tudo de novo e assim saciar a melancolia da memória. Meu anjo mata o cansaço do meu corpo quebrado pela desilusão. Seca o poço turvo de melancolia que carrego no centro dos meus olhos. Toca o vazio que me habita de muitos dias sem desejo. Tantos sonhos, tantas trevas, tanto nada. Por tudo que existe de mais sagrado volta. Por favor peço-te vem. Vamos tentar projectar-nos para um futuro feliz nem que tudo acabe depois no desastre dos recomeçados desejos. A vida vibrou em nós. Não o sentes? Estou de novo ocupado em esquecer-me antes que a manha se abata e o sono me tome. Nestas horas nada sei de mim. Quantas noites, quantos dias, quantos anos se irão esgotar na espera? Uma vida.


publicado por SigurHead às 02:27
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Domingo, 7 de Maio de 2006
...
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo
tão verdade!


Almada Negreiros


publicado por SigurHead às 13:17
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Sexta-feira, 5 de Maio de 2006
Não digas a ninguém

"«tens de compreender que sou homossexual, mamã, sempre fui homossexual, provavelmente quando estava na tua barriga já me estava a tornar homossexual, mas, por isso, não sou má pessoa, por isso não deixo de te amar, se ao menos pudesses compreender que não sou maricas para te chatear, para me vingar de ti, que sou homossexual porque é essa a minha natureza e porque eu não posso mudar, e por favor, não vejas a minha homossexualidade como um castigo de Deus, como uma coisa terrível, porque não é, olha-a antes como uma oportunidade para compreender melhor as pessoas, para compreender que as coisas são mais complexas do que parecem, que as coisas nem sempre são brancas ou pretas, compreende, por favor, mamã, que no fim de contas a única coisa importante é que eu também te amo, te amo muitíssimo, mas não posso deixar de ser quem sou, não posso nem quero deixar de ser quem sou, e tenho de aprender a gostar de mim e a respeitar-me e a não atraiçoar a minha orientação sexual, e a dizer às pessoas que sou homossexual sem ficar por isso corado e sem me sentir sujo, porco, má pessoa, porque não o sou, sou teu filho, amo-te muito, sou homossexual e sou boa pessoa, e, se Deus existe, Ele contar-te-á algum dia no Céu porque lhe apeteceu fazer-me homossexual.»"

                                                                                                                                   Jaime Bayly



publicado por SigurHead às 00:54
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Quarta-feira, 3 de Maio de 2006
Dei-me sempre mais do que podia
Estou gasto. Dei-me sempre mais do que podia. Não há nada que me possam roubar, sou um homem espoliado de todos os bens, de todas as doenças, de todas as emoções. Sou um corpo pronto para a viagem sem regresso. Sou um corpo que  se evita, um homem cujo nome se perdeu e cuja biografia possível está no pouco que escreveu. Sou um corpo sem nacionalidade, pertenço às profundidades dos oceanos, ao voo da ave migrante. Sou um alfabeto e não sei se terei tempo para me decifrar.
Lá fora anoiteceu.
São raras as claridades que do meu sangue sobem ao rosto. Há um lume invisível no teu olhar, uma visão que o espelho me revela: cintilam cristais enquanto dormes, uma árvore cresce nos pulmões. Assim construo as paisagens, assim te ofereço a morada de sossego e de prazer. Mas tu não vens, porque me és exterior. Posso criar o universo inteiro a partir das minhas células, só não posso criar-te a ti.
A paixão revelou-se-me no instante em que percebi que sabia quase tudo da vida, mas já não foi possível perder-me na tentação do suicídio. Nunca amei e nunca fui amado: ignoro se isto é verdade.
Que horas serão para lá deste século?
Onde estaremos neste momento?
Estarei eu em ti ou serás tu que me devoras e me comoves?
Teu nome, pronuncia teu nome para que seja impossível esquecer-me do meu. Diz-me o teu nome de ontem, quando éramos o reflexo exacto um do outro. Toca-me o rosto com o teu nome, ou pousa-o sobre as mãos; debruça-te para dentro de mim e deixa que o segredo do tempo fulmine os ossos.


publicado por SigurHead às 09:43
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Luminoso afogado
E se a morte te esquecesse?
Ficarias aí deitado, o olhar fixo noutros olhares. Silencioso, ou a contar histórias de barcos, de oceanos e de mares, de peixes e de turbulentos rios - até que a luz poeirenta do mundo se extinguisse, para sempre.
Asfixiado pelas areias da praia onde a vaga fosforosa te abandonou.
Por que é que eu caminho no fundo deste tempo escuro e já não existo?
Mas nada acontece, porque a tua morte me tolheu. Não se ouve um fio de voz.
Resta o teu corpo deitado sob a respiração febril de quem se deu ao trabalho piedoso da vigília.
É através da memória dos outros que recordas o rosto que tiveste.
O que quero dizer é que já não sinto nada quando te olho. O rosto está morto e amortalhou o meu.
Outrora, quando navegavas, escrevia-te para contar o que não tinha sentido na viagem. Hoje, penso em ti como se fosses uma música da alma.
O teu olhar de morto e o meu são cúmplices, e ainda não deu hora nenhuma. Temos tempo de sobra.
Vou ressuscitar-te, assim poderás contar-me em sussurro o que fomos.
Eu poderei contar-te o que esqueci. Esta canção quase perdida na casa do nosso passado.
O sonho tem manchas de frutos sorvados no coração. Tem palpitações de sangue e de ilhas, de mares que se espreguiçam para dentro das cidades. E estas sobrevivem envoltas num véu de neblinas. Vemo-las tremeluzir no turvo crepúsculo das praias.
Que ponte levadiça trará de novo o desejo esquecido nos postos longínquos?
                                                                                                                al berto
                                                      


publicado por SigurHead às 09:08
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