Lá fora está frio.
Por vezes, fico sozinho na escuridão.
Por vezes, fico deitado como uma ilha no mar frio e estremeço.
Baldvin, o Rei do Império Britânico, tinha razão: não tenho tomado conta dos meus anjos.
Já há muito que caíram na Terra e deambulam com as asas tosquiadas pelos corredores desta misteriosa casa, onde os dias passam no lento vazio de tudo o que desapareceu, ardeu e se perdeu.
Está frio lá fora.
As orlas brancas das ondas encrespam-se no mar, agora negro e eriçado como a escuridão do espaço sideral. As luzes, em Akranes, do outro lado da baía, brilham como uma distante cidade dourada, enquanto a cidade sobe e desce as colinas e as encostas, como um electricista perdido com os seus candeeiros.
É frio o vazio do espaço sideral, frias são as luzes no corredor, e os olhos da vigilante; são frios os medicamentos na bandeja.
Agora as estrelas olham fixamente o hospital e a solidão das baías estende-se na escuridão.
Talvez Chagall visse vacas a voar se estivesse aqui, ao pé da janela, onde me encontro agora, olhando as ondas desvairadas e o mar negro.
Ás vezes, oiço os violinos do mundo.
Ás vezes, vejo as montanhas brancas, de neve, a marchar.
Uma vez, vi feiticeiras a voarem por aqui, em paus de vassoura, mas foi na passagem do ano, durante o fogo de artificio.
Subo até ao pico e toco as estrelas com os dedos. Agarro nas nuvens e enrolo-as, como um cachecol, á volta do pescoço. Voo com os pássaros e desapareço, como uma baleia, rumo ás profundezas.