Porque sabes que eu estou aqui. Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Quarta-feira, 23 de Fevereiro de 2005
Daniel Sampaio- Vagabundos de nós
Cláudia, disseste-me uma noite que estávamos a caminhar para um fim qualquer e, embora não o manifestasse, julgo que entendi. A solidão era a minha melhor companhia e, mesmo quando estava ao pé de ti, era o silêncio que escrevia palavras no teu rosto.
Compreenderás (se ainda te lembrares de mim, cinco anos passados) como era difícil contar-te o que ia cá dentro, falar do medo que sentia sempre que estava contigo. E, apesar disso, estava certo do meu amor. Desejava que os dias passassem e pudesse acordar de novo com a tua voz no telemóvel, ou então que o fim de tarde chegasse para estarmos um com o outro. E, embora com receio, era o sentir do teu corpo que me tranquilizava e dava esperança de um dia alcançar a paz. (...)
Onde está o momento da separação que continuo a procurar na minha memória, aquele minuto em que decidi partir e deixar-te? Durante muitos anos o procurei sem sucesso. Talvez tenha sido depois da conversa com o teu irmão. Recordas-te decerto, Cláudia.
Em cima da cómoda do teu quarto, ao lado de um pequeno búzio que escolhi para ti na Praia da Aguda, vi uma caixa de preservativos de uma marca desconhecida. Tínhamos tido relações quatro ou cinco vezes, os meus fantasmas só me tinham visitado por minutos, tinha sido bom. Não querias, é lógico, engravidar e, como fumavas, tinhas medo da pílula, por isso ia-me habituando ao preservativo.
Quando vi uma marca diferente pensei logo que andavas com outro e o nosso amor era uma mentira, de certeza que não tinhas prezer comigo porque era gay.
Ou então eu é que andava a fingir para fugir ao meu problema, tu tinhas reparado e fazias de conta, o melhor era teres prazer com outro. (...)
Perdia-me em mim próprio. Um dia pensava que as coisas iam bem entre nós, noutros momentos o medo dominava-me. Pensava na escola, todos iam saber que tínhamos acabado por eu ser maricas, de certeza passariam a gozar comigo como faziam com o Rafael. O melhor era desistir de tudo, acabar com este namoro que só existe para disfarçar, assumir desde já que sou gay e nada mais. (...)
E, quinze dias depois do problema do preservativo, aconteceu o pior. Os teus pais estavam fora de Lisboa e o teu irmão ia dormir num sítio qualquer, a casa finalmente só para nós.
Nada resultou como te lembras. Foi tudo culpa minha, Cláudia. Se ainda recordas, como espero, quero que saibas, não foste responsável por nada. Fui eu que me descontrolei uma vez mais.
Falavam de homossexuais na televisão, a mãe de um deles disse que tinha custado a princípio mas que agora estava tudo bem, afinal era uma questão de opção. Apeteceu-me mudar de canal mas parecias interessada e não quis dar nas vistas, se calhar a senhora tinha razão e o melhor era não disfarçar, dizer que era e talvez pudesse contar com a tua amizade para toda a vida.
Quando começámos a fazer amor no chão da sala, imagens loucas assaltavam-me, apressei-me a olhar para o teu sexo porque, de repente, tive medo de estar a fazer amor com um homem.


publicado por SigurHead às 21:51
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