Porque sabes que eu estou aqui. Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Terça-feira, 22 de Junho de 2004
al berto in O anjo mudo (Cartas)

 

Quando o vento se levanta e passa, tua cabeça, adormecida põe-se a brilhar. Em redor dela um halo de sombra onde a minha mão entra, vagarosamente, pedindo-te um sinal.
Procuro o rosto com os dedos afiados pelo desejo. Toco a alba das pálpebras que, de súbito, se abrem para mim.
Um fio de luz coalha na saliva do lábio.
Ouvimos o mar, como se tivéssemos encostado a cabeça ao peito um do outro. Mas não há repouso nesta paixão.
O dia cresce, sem luz  e os pássaros soltam-se do pólen dos sonhos, embatem contra os nossos corpos.
Nada podemos fazer.
Um risco de passos ensanguentados alastra pelo chão da cidade. A noite cerca-nos, devora-nos. Estamos definitivamente sozinhos.
Começamos, então, a imitar a vida um do outro. E, abraçados, amamo-nos como se fosse a ultima vez
O tempo sempre esteve aqui, e eu passei por ele quase sempre sozinho.
No entanto, recordo: deixaste-me sobre a pele um rasgão que já não dói. Mas quando a memória da noite consegue trazer-te intacto, fecho os olhos, o corpo e a alma latejam de dor.
Dantes, o olhar seduzia e matava outro olhar. Agora odeio-te por não me pertenceres mais. Odeio-te. Abro os olhos. Regresso ao meu corpo e odeio-te. E, quem sabe se no meio de tanto ódio não te perdoaria mas ambos sabemos que o perdão não existe.
Se fugias, perseguia-te. Mas o olhar começava a cegar. Sentia-te, já não te via. E o pior é que o tacto também esqueceu, rapidamente, a sensualidade da pele e o calor do sexo. O rosto aprendido de cor.
Hoje, tudo se sobrepõe. Nomes, rostos, gestos, corpos, lugares um montão de cinzas que me deixas-te como herança.
Não devo perder tempo com ciúme. A paixão desgastou-me. E nunca houve mais nada na minha vida  paixão ou ódio.
Só isto: se me aparecesses agora, tenho a certeza, matava-te.
 


publicado por SigurHead às 10:14
link do post | comentar | favorito

pesquisar
 
Junho 2006
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
14
15
16
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29
30


posts recentes

Apenas quando o mundo nos...

Anoitece devagar

Mas comigo era diferente....

Tanto para te dizer

...

Não digas a ninguém

Dei-me sempre mais do que...

Luminoso afogado

Roída a dor muda

Antídoto

arquivos

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

links
blogs SAPO
subscrever feeds