Porque sabes que eu estou aqui. Porque eu sei que me sabes ler no silêncio.
Quinta-feira, 8 de Abril de 2004
Daniel Sampaio- Lições do abismo.
Não tenho ninguém a quem anunciar que não durmo. Aqueles que dantes se aproximavam para me dedicar um sorriso de compaixão, parecem agora definitivamente marcados pela minha tristeza e ficam à porta das luzes, enquanto permaneço na escuridão do corpo esquecido e dos meus gestos sombrios.
X-ato, meu amigo, corta-me uma vez mais, faz com que a minha destruição superficial faça esquecer o nada que sou por dentro. Sinto-me estranho, já não reconheço a própria voz, ouço-a mas não a alcanço, é o eco da minha fala de outros tempos. O espaço em que vivo é afinal o terreno em que o meu corpo, sem imagem, deixa de se ver.
Vivo à sombra das sombras, qual a imagem de mim próprio? Espreito-me de novo ao espelho e não me reconheço. Em volta dos muros da minha memória busco referências ao passado, encontro tecidos de desespero, animais feridos, águas escuras. Quero percorrer sem cessar o risco do absurdo e da morte, ficar de pé horas seguidas a olhar o vazio dentro e fora de mim, ouvir os meus passos na madrugada, esperar por ti. À boca de cada rua pressinto o teu olhar, sei que estás longe e tenho medo.
Leugim Aierroc, Miguel Correia, brinco com o meu nome, salivo as sílabas para que ele ganhe sentido, fico de novo perdido entre o silêncio e a voz. O sangue dos meus cortes arrefece agora, tudo permanece suspenso e sem destino.
Atravesso a cidade cheio de sede, procuro vestígios de mim nos sem-abrigo dos Anjos, oiço ao longe uma voz, uma língua estranha de alguém perdido como eu.
...
Leugim-Miguel, como entender que deixei de existir no exacto momento em que a Joana me deixou?, ando agora à procura de um sol que nunca nascerá, nomes vazios preenchem as minhas memórias, nu diante de mim próprio procuro um impulso para atingir alguma claridade.
E apesar da inquietação e do ciúme, fui feliz contigo. Conseguia arranjar tempo para te ver durante a semana, nas noites de sexta e sábado ficávamos juntos até de manhã. Como gostei de ver nos teus lábios a luz da madrugada!
Como fomos capazes de, em conjunto, amar o sol!
Todos os momentos livres eram para ti.
...
Um dia mandaste um mail:
"És capaz de descobrir uma fonte secreta que faça desaparecer as sombras e tire, para sempre, a sede do nosso amor?"
...
Não te perdoo não teres sido mais clara, não posso aceitar que não tivesses dito como eu te oprimia, como o meu amor obsessivo te cansava e te fazia querer fugir ou estar muito ocupada, como as minhas permanentes combinações te saturavam. Nunca vi um gesto de enfado, uma recusa a um programa, uma alternativa às minhas propostas. Pensava que te conhecia tão bem que quase adivinhava o que pretendias, tudo me parecia fácil na ânsia de estar contigo.


publicado por SigurHead às 21:34
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